segunda-feira, 6 de maio de 2013

II - Libertação - Dezembro de 2010


A publicidade é o meio pelo qual as pessoas podem saber mais sobre os produtos que estão disponíveis no mercado. Ela existe como forma criativa de exibir suas características e seus atributos. Estou solteiro. Disponível no mercado. Não que eu queira alguém para amar e tudo mais, mas eu queria aproveitar mais a vida, relaxar um pouco com alguma companhia.
            O fim do ano se aproxima, e não vou poder tirar férias. Katherine, minha redatora cabeça-dura continuava a me enfrentar todos os dias, e agora conseguia me convencer das suas propostas. Realmente eram excelentes idéias! Ou não... Não sei dizer ao certo, mas acabei aprendendo a ouvi-la mais...
            Sabe aquela sensação de que tudo passou rápido demais e que você não se esforçou o bastante? Lembro do Réveillon do ano passado. Meu pai ainda estava vivo e eu escrevia meus livros... Naquele dia, ao ver os fogos de artifício atingindo o céu e explodindo em luzes, prometi que tudo seria diferente, que iria mudar de vida, que iria lançar meu livro, arranjar uma namorada incrível, sair dessa vida de lobo solitário.
            Tudo aconteceu tão de repente. Mal tive tempo pra respirar.
            - Petter, você vai fechar a empresa novamente? – Katherine entrara no meu escritório. Pela primeira vez a vi com seus cabelos soltos. Eram ondulados e iam até seus ombros. Magnífica – Hoje é véspera de natal, você não vai comemorar?
            Ela me olhou com um olhar de preocupação. Isso era novidade para mim.
            - Todos já foram? – perguntei.
            - Já. Só falta eu e você.
            - Acho que vou ficar por aqui mesmo. Natal perdeu sentido para mim.
            - Não diga bobagens. – Ela veio até a beira da minha mesa – Não é possível que você só queira ficar aqui dentro! Vá aproveitar a sua vida! – disse sentando-se à minha mesa.
            - Você acha que eu queria ficar aqui dentro trabalhando? – olhei para a janela – Eu não queria essa vida para mim. - Comecei a desabafar – Queria estar bem longe. Queria apenas um lápis e um caderno. Iria escrever sem parar; talvez mergulhar em algum livro... Estou cansado... Cansado de tudo.
            - Petter, - ela foi até meu home theater ligou e colocou um dos meus CDs para tocar. CDs do meu pai. Ele era apaixonado por dança de salão. Começou a tocar um bolero. Ela estendeu a mão para mim.
            - Quer dançar?
            - Dançar? Estou aqui reclamando de tudo e você querendo dançar...
            - Vamos! Levante-se e saia desse mau humor contínuo! – ela me puxava da cadeira.
            - Eu nem sei dançar isso...
            - Vamos. Eu te ensino. – ri, e acompanhei no ritmo. Pisões no pé... E então entramos em sincronia.
            - Viu? Nada mal! Você precisa relaxar e mudar sua rotina! – Ela então colocou as minhas mãos em sua cintura e ficamos dançando dois pra lá e dois pra cá. Ela estava com os braços ao redor do meu pescoço – Se eu não relaxasse e tentasse ter uma vida mais tranqüila eu já estaria louca e teria me demitido. Você precisa de vez em quando se desligar da sua vida profissional e simplesmente relaxar!
            Enquanto dançávamos, ela me olhava diretamente nos meus olhos. Eu errava os passos, dava um sorrisinho de “desculpe”. A música parecia não acabar, e fiquei completamente sem jeito. Meu coração estava disparado, ela deve ter percebido isso...
            - Você está tremendo. – Nossa! Ela percebeu. Quis sumir de vergonha. – Você é um pouco desastrado sabia?!
            Não disse nada. Não conseguia. Nesses meus 28 anos de vida nunca encontrara alguém tão, tão... Surpreendente!
            - Você, sairá já desse escritório e irá aproveitar essa noite de natal! – a música acabou e nos afastamos.
            - Obrigado por tentar me animar, mas acho que vou ficar aqui, se eu for para a casa, vou acabar brigando com o Alex...
            - Vem comigo então!
            - Como assim?! Não vou me infiltrar na sua família bem no natal!
            - Minha família mora do outro lado do estado, ia comemorar sozinha, sei lá, sumir! Vamos?!
            - Você é meio maluca sabia?!
            - Obrigada, vou levar isso como um elogio...
            - Já reparou que não brigamos mais?
            - Se quiser podemos começar agora! – disse fazendo uma careta.
            - Não, melhor não. – olhei para aquele sorriso – Ok. Vamos, mas não reclame da má companhia, sou um tédio.
            - Chefe, você é sempre chato e entediante, já te conheço. E quero mudar isso hoje! Vamos!
            Fechamos a empresa e saímos. Nevava. Fomos com meu carro. Decidimos ir até o parque central da cidade. O lago havia congelado formando uma pista de patinação. Havia uma ou duas pessoas. No centro do lago havia sido posto uma gigante árvore de natal com luzes que piscavam tanto que se você olhasse demais poderia ter alucinações! Do outro lado do lago havia um café-bar onde se podiam ouvir músicas de natal tocando.
            - Vamos até lá.
            - Ok.
            - Mas vamos patinando pelo lago ok?!
            - Nem vou comentar...
            Ela me carregou. O chão deslizante estava me deixando aflito.
            - Pare de se preocupar, se cair, levante!
            Sorri, e fomos deslizando, rindo e quase caindo até o fim do lago.
            - Sabe... Você não é entediante nem chato, apenas não tem amigos que levantem seu astral!
            - É talvez...
            Antes de entrar no café olhei pra ela e disse:
            - Obrigado.
            Ela sorriu. Entramos no café-bar. Estava lotado! Música alta e todos dançavam.
            Meu sorriso não se desfez mais. Pulamos ao som de Jingle Bells remixada.
            - Falta 1 minuto para o natal. Está vendo essas guirlandas penduradas no teto?
            Olhei pra cima e deixei-a falar calmamente.
            - Diz a lenda que se você passar por ela, acaba tendo muita sorte.
            Continuava a olhar para cima pensando no que ela disse.
            - Sorte? Não acredito muito nisso. Acredito é em destino. – eu disse.
            - Destino? Eu faço meu destino...
            Voltei meu olhar para ela. Ela era um pouco mais baixa que eu. E então ela me olhou fixo até nossos lábios se encostarem. A música se esvaiu e nada mais importava. Não sei quanto tempo fiquei beijando ela. Mas parecia ter sido uma eternidade. Quando nos separamos ela disse:
            - Desculpe por isso... Não era pra ter acontecido. – ela parecia transtornada – Você é meu chefe, não... Por favor, esqueça isso, ok?!
            - Acalme-se. Está tudo bem. Vamos continuar a comemorar! Já é natal! – disse tentando mudar de assunto.
            Ela então se convenceu e continuou a festejar. Mas não era mais o mesmo clima. Faltava dizer algo que nenhum dos dois conseguia. Logo ela se despediu. Insisti para que a levasse até em casa, mas ela preferiu pegar um táxi.


Cheguei em casa. Alexandre e a sua família estavam morando comigo, mas aparentemente já haviam ido dormir. Fui até a cozinha tomar água. Enquanto bebia comecei a repensar no dia que eu acabara de passar. Uma parte de mim queria muito ter sumido daquela festa, dizer “me desculpe não era para isso acontecer...”, mas a outra parte dizia para eu não olhar para trás e que eu seria mais feliz com ela. Isso era completamente estranho para mim. O primeiro beijo: uma mistura de todos os sentimentos, sentimentos intensificados, coração explodindo, mãos tremendo.  O mundo pareceu parar e estávamos olhando um para o outro. Entre a linha do medo e da responsabilidade, comecei a me perguntar como aquilo havia acontecido. Seria mesmo verdade? Apenas um dia... Um dia para me fazer olhar para ela diferente. De alguma forma parecia que sabia tudo sobre ela e que aquilo havia sido apenas um reencontro depois de séculos separados. Foi uma atração mútua tão forte, mas que não poderia continuar.
            Meus pensamentos voaram, e quando fui guardar a jarra de água na geladeira vi um bilhete escrito pela minha empregada.

“Jully se acidentou,
Hospital Central.”
           
            Corri para o carro. Meu coração disparou.


Entrei no quarto de Jully. Ela estava deitada olhando para Alex. Seu rosto estava assustadoramente pálido. Ela mal conseguiu falar um “Oi”.
- Não se esforce. – disse Alex à esposa.
- Alex? – Meu irmão pela primeira vez depois da morte de meu pai, me abraçara.
- O que aconteceu? – perguntei.
- Ela escorregou da escada, bateu a cabeça e rolou até chegar ao chão.
Jully me olhava triste. Sua cabeça, enfaixada.
- Mas como ela está?
- Acordou há pouco. Fez alguns exames, mas não foi nada de mais. O que ela precisa agora é descansar.
- Ok. Vou esperar lá fora.
- Espere, preciso falar com você.
A voz de Jully era suave e me deixou paralisado.
- Querido, por favor, deixe-nos a sós.
Alex olhou pra mim intrigado e saiu.
- Petter, você marcou a minha vida sabia? Quando acordei, parece que as minhas memórias haviam acabado de ser escritas na minha mente. Parece tudo recente. Nós dois sabemos que você foi meu primeiro homem e eu sua primeira mulher... Preciso te contar algo.
- Fale...
- Você é tudo pra mim. Eu nunca te esqueci. Desculpe te falar isso, mas é que não queria correr o risco de nunca poder falar isso novamente. Esse acidente me assustou...
- Jully, acalme-se, o nosso tempo juntos já passou. É claro que eu gosto muito de você, mas não mais como antigamente.
Será? Perguntei-me. Continuei a segurar a mão dela até seu choro se extinguir e um sorriso tímido surgir.


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