segunda-feira, 6 de maio de 2013

III - Encontrar - Janeiro de 2011


            “Desculpe por isso... Não era pra ter acontecido.” Essa frase rebatia na minha mente, mas era um desejo incontrolável de ter Katherine em meus braços novamente, Eu estava procurando respostas... Nossa história precisava tomar um rumo definitivo. Havia também a Jully. Ela se recuperara, e toda vez que nos esbarrávamos na mansão, o clima ficava tenso. Não podia esquecer o meu passado com ela, pois como ouvi certa vez, quem esquece o passado está destiná-lo a repeti-lo. Resolvi olhar para o futuro, resolvi investir em Katherine.
            Mas como? Eu era o chefe dela. Isso seria contra as regras do trabalho. Maldita hora em que assumi a direção.
            Cheguei à agência. Quando entrei no meu escritório, vi apenas escuridão e pessimismo. Pensei naquele sorriso que era mais brilhante que o nascer do sol. Katherine... Respirei fundo, e pela primeira vez levantei as persianas iluminando tudo. Liguei o aquecedor. O lugar renascera.
            Fui até a sala de Katherine cheio de alegria, mas a sala estava trancada. De repente a secretária dela voltara com um copo de café.
            - Sr. Rúbati, a Srta. Madison tirou férias, o senhor esqueceu?
            Como pude esquecer. Era o mês do seu aniversário, 28 de janeiro. E era o mês de suas férias. Ela havia ido embora sem se despedir...
            O que fazer? Perguntei para onde ela viajara. Londres.
            Voltei ao meu escritório, desabei no sofá e olhei para o teto como de costume. Pensei alguns minutos, peguei meu celular e liguei:
            - Olá, eu gostaria de reservar uma passagem...


Viajei na mesma noite. Reservei um hotel não muito caro, apenas para passar esse final de semana. Teria dois dias para conquistá-la.
            Londres; já viajei algumas vezes para lá, mas sempre parecia ser a primeira vez. É um lugar que mexe com meus sentimentos.
            Liguei para o celular dela.
            - Katherine?
            - Petter? – disse espantada.
            - Oi, onde você está exatamente?
            - Como assim?! Estou de férias em Londres...
            - Mas onde? Eu também estou aqui.
            Ela emudeceu.
            - Alô? Está ainda aí?... Onde posso te encontrar? Eu sei que são suas férias, mas precisamos conversar.
            Ela concordou, e fomos, no dia seguinte, nos encontrar em um café perto de onde eu estava hospedado.
            - Você está me surpreendendo bastante sabia? Antes só querias se livrar do mundo, sumir, se isolar, e hoje aparece no meio das minhas férias, invadindo o meu mundo...
            Rimos. Ela estava linda.
            - O que te trás até aqui?
            - Você. Vim atrás de você.
            Ela desviou o olhar parecendo fugir disso.
            - Sabe que dia foi ontem? – ela me perguntou.
            - Seu aniversário. Eu sei que esse não é o momento certo para te dizer essas coisas, mas isso é importante, não agüento mais ficar na dúvida.
            - Você está apaixonado por mim?
            Gelei.
            - Estou. Acho que não era para estar, mas eu estou... Me entende?
            - Entendo. Eu estou sentindo o mesmo por você. – ela disse. Quis sorrir, mas a situação nos deixava apenas olhar um para o outro sério.
            - Katherine, nunca mais eu havia sentido isso... Às vezes quando penso em você, três palavras ficam engasgadas na minha garganta.
            - Quais?
            - Acho que não é bom falar... Não agora.
            - Se preferes não falar...
            - É estranho...
            - Segue seu coração.
            - A vontade é grande, mas tenho medo de que isso suma de repente.
            - Apesar do pouco tempo, do único momento em que nós estivemos juntos, das poucas palavras trocadas, eu te digo que estou apaixonada por você também...
            E então falei o que estava engasgado.
            - As palavras que teimam em sair... Eu te amo. Mas é muito cedo para isso... É estranho.
            Ela refletiu um pouco e voltou a dizer:
            - Não tem problema nenhum em dizê-las, estranho é, mas se vem de dentro, de coração...
            - Eu te amo, mas talvez não de uma intensidade comum, mas já é algo forte sabe?
            - Não com a intensidade que as pessoas colocam nessa palavra, nesse sentimento... Mas o nosso “eu te amo” carrega uma intensidade nossa. Eu também... Também te amo da nossa forma.
            Meu coração disparou.
            - Eu gosto dessas palavras especiais, dessa em especial que carrega um sentimento forte. – ela disse.
            Concordei, sorri. Fiquei olhando ela algum tempo. Ela séria, com aqueles olhos que me hipnotizavam. Não hesitei e a beijei.
            Não queria soltá-la.
            Eu nunca compreendi nem sabia para que servia o amor, eu não acreditava em destino, e de repente ela estava do meu lado. Quer saber como é o meu amor por ela? Mais brilhante que o nascer do sol. De repente eu era dela. Eu nunca vi isso acontecer. Ela pareceu tão certa sabe? Eu e ela... O amor definitivamente é um mistério.
            - Sabe, quando eu estou com você, sinto nossos corações batendo no mesmo ritmo, é uma sensação ótima. – disse ela sorrindo para mim.
            - Compartilho o mesmo com você. – retribui com um beijo – Sei que é cedo e tudo mais, porém você quer ter um relacionamento sério comigo? Não quero ter você como um caso qualquer...
            - Uau, isso é... Devíamos ir mais devagar, mas... Você tem certeza disso? Você está disposto a firmar algo sério comigo? Eu também não quero um relacionamento qualquer...
            Concordei com todas as perguntas. Ela agora estava com a boca quase colada a minha. E então ela sussurrou:
            - Eu senti tanta a sua falta.
            Beijamo-nos. Um beijo interminável. Minha mão segurava seu rosto não a deixando fugir.


II - Libertação - Dezembro de 2010


A publicidade é o meio pelo qual as pessoas podem saber mais sobre os produtos que estão disponíveis no mercado. Ela existe como forma criativa de exibir suas características e seus atributos. Estou solteiro. Disponível no mercado. Não que eu queira alguém para amar e tudo mais, mas eu queria aproveitar mais a vida, relaxar um pouco com alguma companhia.
            O fim do ano se aproxima, e não vou poder tirar férias. Katherine, minha redatora cabeça-dura continuava a me enfrentar todos os dias, e agora conseguia me convencer das suas propostas. Realmente eram excelentes idéias! Ou não... Não sei dizer ao certo, mas acabei aprendendo a ouvi-la mais...
            Sabe aquela sensação de que tudo passou rápido demais e que você não se esforçou o bastante? Lembro do Réveillon do ano passado. Meu pai ainda estava vivo e eu escrevia meus livros... Naquele dia, ao ver os fogos de artifício atingindo o céu e explodindo em luzes, prometi que tudo seria diferente, que iria mudar de vida, que iria lançar meu livro, arranjar uma namorada incrível, sair dessa vida de lobo solitário.
            Tudo aconteceu tão de repente. Mal tive tempo pra respirar.
            - Petter, você vai fechar a empresa novamente? – Katherine entrara no meu escritório. Pela primeira vez a vi com seus cabelos soltos. Eram ondulados e iam até seus ombros. Magnífica – Hoje é véspera de natal, você não vai comemorar?
            Ela me olhou com um olhar de preocupação. Isso era novidade para mim.
            - Todos já foram? – perguntei.
            - Já. Só falta eu e você.
            - Acho que vou ficar por aqui mesmo. Natal perdeu sentido para mim.
            - Não diga bobagens. – Ela veio até a beira da minha mesa – Não é possível que você só queira ficar aqui dentro! Vá aproveitar a sua vida! – disse sentando-se à minha mesa.
            - Você acha que eu queria ficar aqui dentro trabalhando? – olhei para a janela – Eu não queria essa vida para mim. - Comecei a desabafar – Queria estar bem longe. Queria apenas um lápis e um caderno. Iria escrever sem parar; talvez mergulhar em algum livro... Estou cansado... Cansado de tudo.
            - Petter, - ela foi até meu home theater ligou e colocou um dos meus CDs para tocar. CDs do meu pai. Ele era apaixonado por dança de salão. Começou a tocar um bolero. Ela estendeu a mão para mim.
            - Quer dançar?
            - Dançar? Estou aqui reclamando de tudo e você querendo dançar...
            - Vamos! Levante-se e saia desse mau humor contínuo! – ela me puxava da cadeira.
            - Eu nem sei dançar isso...
            - Vamos. Eu te ensino. – ri, e acompanhei no ritmo. Pisões no pé... E então entramos em sincronia.
            - Viu? Nada mal! Você precisa relaxar e mudar sua rotina! – Ela então colocou as minhas mãos em sua cintura e ficamos dançando dois pra lá e dois pra cá. Ela estava com os braços ao redor do meu pescoço – Se eu não relaxasse e tentasse ter uma vida mais tranqüila eu já estaria louca e teria me demitido. Você precisa de vez em quando se desligar da sua vida profissional e simplesmente relaxar!
            Enquanto dançávamos, ela me olhava diretamente nos meus olhos. Eu errava os passos, dava um sorrisinho de “desculpe”. A música parecia não acabar, e fiquei completamente sem jeito. Meu coração estava disparado, ela deve ter percebido isso...
            - Você está tremendo. – Nossa! Ela percebeu. Quis sumir de vergonha. – Você é um pouco desastrado sabia?!
            Não disse nada. Não conseguia. Nesses meus 28 anos de vida nunca encontrara alguém tão, tão... Surpreendente!
            - Você, sairá já desse escritório e irá aproveitar essa noite de natal! – a música acabou e nos afastamos.
            - Obrigado por tentar me animar, mas acho que vou ficar aqui, se eu for para a casa, vou acabar brigando com o Alex...
            - Vem comigo então!
            - Como assim?! Não vou me infiltrar na sua família bem no natal!
            - Minha família mora do outro lado do estado, ia comemorar sozinha, sei lá, sumir! Vamos?!
            - Você é meio maluca sabia?!
            - Obrigada, vou levar isso como um elogio...
            - Já reparou que não brigamos mais?
            - Se quiser podemos começar agora! – disse fazendo uma careta.
            - Não, melhor não. – olhei para aquele sorriso – Ok. Vamos, mas não reclame da má companhia, sou um tédio.
            - Chefe, você é sempre chato e entediante, já te conheço. E quero mudar isso hoje! Vamos!
            Fechamos a empresa e saímos. Nevava. Fomos com meu carro. Decidimos ir até o parque central da cidade. O lago havia congelado formando uma pista de patinação. Havia uma ou duas pessoas. No centro do lago havia sido posto uma gigante árvore de natal com luzes que piscavam tanto que se você olhasse demais poderia ter alucinações! Do outro lado do lago havia um café-bar onde se podiam ouvir músicas de natal tocando.
            - Vamos até lá.
            - Ok.
            - Mas vamos patinando pelo lago ok?!
            - Nem vou comentar...
            Ela me carregou. O chão deslizante estava me deixando aflito.
            - Pare de se preocupar, se cair, levante!
            Sorri, e fomos deslizando, rindo e quase caindo até o fim do lago.
            - Sabe... Você não é entediante nem chato, apenas não tem amigos que levantem seu astral!
            - É talvez...
            Antes de entrar no café olhei pra ela e disse:
            - Obrigado.
            Ela sorriu. Entramos no café-bar. Estava lotado! Música alta e todos dançavam.
            Meu sorriso não se desfez mais. Pulamos ao som de Jingle Bells remixada.
            - Falta 1 minuto para o natal. Está vendo essas guirlandas penduradas no teto?
            Olhei pra cima e deixei-a falar calmamente.
            - Diz a lenda que se você passar por ela, acaba tendo muita sorte.
            Continuava a olhar para cima pensando no que ela disse.
            - Sorte? Não acredito muito nisso. Acredito é em destino. – eu disse.
            - Destino? Eu faço meu destino...
            Voltei meu olhar para ela. Ela era um pouco mais baixa que eu. E então ela me olhou fixo até nossos lábios se encostarem. A música se esvaiu e nada mais importava. Não sei quanto tempo fiquei beijando ela. Mas parecia ter sido uma eternidade. Quando nos separamos ela disse:
            - Desculpe por isso... Não era pra ter acontecido. – ela parecia transtornada – Você é meu chefe, não... Por favor, esqueça isso, ok?!
            - Acalme-se. Está tudo bem. Vamos continuar a comemorar! Já é natal! – disse tentando mudar de assunto.
            Ela então se convenceu e continuou a festejar. Mas não era mais o mesmo clima. Faltava dizer algo que nenhum dos dois conseguia. Logo ela se despediu. Insisti para que a levasse até em casa, mas ela preferiu pegar um táxi.


Cheguei em casa. Alexandre e a sua família estavam morando comigo, mas aparentemente já haviam ido dormir. Fui até a cozinha tomar água. Enquanto bebia comecei a repensar no dia que eu acabara de passar. Uma parte de mim queria muito ter sumido daquela festa, dizer “me desculpe não era para isso acontecer...”, mas a outra parte dizia para eu não olhar para trás e que eu seria mais feliz com ela. Isso era completamente estranho para mim. O primeiro beijo: uma mistura de todos os sentimentos, sentimentos intensificados, coração explodindo, mãos tremendo.  O mundo pareceu parar e estávamos olhando um para o outro. Entre a linha do medo e da responsabilidade, comecei a me perguntar como aquilo havia acontecido. Seria mesmo verdade? Apenas um dia... Um dia para me fazer olhar para ela diferente. De alguma forma parecia que sabia tudo sobre ela e que aquilo havia sido apenas um reencontro depois de séculos separados. Foi uma atração mútua tão forte, mas que não poderia continuar.
            Meus pensamentos voaram, e quando fui guardar a jarra de água na geladeira vi um bilhete escrito pela minha empregada.

“Jully se acidentou,
Hospital Central.”
           
            Corri para o carro. Meu coração disparou.


Entrei no quarto de Jully. Ela estava deitada olhando para Alex. Seu rosto estava assustadoramente pálido. Ela mal conseguiu falar um “Oi”.
- Não se esforce. – disse Alex à esposa.
- Alex? – Meu irmão pela primeira vez depois da morte de meu pai, me abraçara.
- O que aconteceu? – perguntei.
- Ela escorregou da escada, bateu a cabeça e rolou até chegar ao chão.
Jully me olhava triste. Sua cabeça, enfaixada.
- Mas como ela está?
- Acordou há pouco. Fez alguns exames, mas não foi nada de mais. O que ela precisa agora é descansar.
- Ok. Vou esperar lá fora.
- Espere, preciso falar com você.
A voz de Jully era suave e me deixou paralisado.
- Querido, por favor, deixe-nos a sós.
Alex olhou pra mim intrigado e saiu.
- Petter, você marcou a minha vida sabia? Quando acordei, parece que as minhas memórias haviam acabado de ser escritas na minha mente. Parece tudo recente. Nós dois sabemos que você foi meu primeiro homem e eu sua primeira mulher... Preciso te contar algo.
- Fale...
- Você é tudo pra mim. Eu nunca te esqueci. Desculpe te falar isso, mas é que não queria correr o risco de nunca poder falar isso novamente. Esse acidente me assustou...
- Jully, acalme-se, o nosso tempo juntos já passou. É claro que eu gosto muito de você, mas não mais como antigamente.
Será? Perguntei-me. Continuei a segurar a mão dela até seu choro se extinguir e um sorriso tímido surgir.


I - Desgaste - Outubro de 2010




A comunicação está em todos os momentos das nossas vidas, aliás, desde a nossa existência no útero materno já fazíamos uso de uma comunicação própria e desenvolvida por instinto. Nós somos responsáveis pela nossa forma de comunicar, a mesma em que demonstramos através das apresentações pessoais, sejam elas de expressão facial, de estilo ou através do nosso repertório, enfim, temos uma estratégia de comunicação própria.
Não sei o porquê de eu escrever isso... Talvez seja a saudade que bate...  Talvez isto seja um jeito de desabafar tudo que está engasgado. Desde que meu pai se foi, tudo mudou.
Meu nome é Petter, tenho 28 anos. Sou alto, tenho cabelo castanho-escuro e olhos bem pretos. Meu pai, Gustavo, sempre dizia: Você possui a chave do seu destino, use-a, organize seu coração do jeito que quer, tranque e suma com a chave, pois você terá vontade de mudar algo.
Quanta coisa queria mudar. Estou com meu carro estacionado em frente ao prédio onde meu pai construiu um império. Uma grandiosa agência de publicidade que por testamento me garante a maioria das ações da agência. Meu irmão, Alexandre, mudara muito. Ele era meu melhor amigo, mas só foi um testamento aparecer na nossa frente que não nos suportávamos mais. Nós dois discutíamos sempre que nos víamos. Alexandre, o jornalista, era o que mais tinha raiva de mim por ter ficado com a fatia maior da agência e queria ficar com a mansão que meu pai deixara e onde era o lugar em que eu vivia. Ele possuía a sua própria família, carreira consolidada, mas não parecia ser o suficiente.
A agência se chamava Rúbati Comunicações, sobrenome da família. Ocupava três andares de um prédio bem no centro da cidade e era famosa por seus trabalhos. Lembro-me de quando tudo começou. Eu era pequeno, mas as imagens são claras. No princípio era uma pequena sala que ele havia alugado naquele prédio. Até hoje a sala está lá. Tornou-se o escritório do meu pai.
Está chovendo lá fora, estou entediado e não quero subir. Queria ficar dormindo, meus pés doem.
Chefiar uma empresa como essa não é nada fácil. Eu estava recebendo muita pressão psicológica. É muita responsabilidade.
Não, não é só assinar papéis e sorrir. Eu era também o Diretor de criação, responsável por praticamente tudo que era publicado. Antes eu nem imaginava que ia acontecer isso comigo, eu era apenas um publicitário que havia trocado tudo para ser escritor.
Continua chovendo, ouço apenas telefones tocando pessoas andando de um lado para o outro. Deitei no sofá do escritório que agora me pertencia.
- Sr, Rúbati? Desculpe incomodá-lo, mas a Srta. Madison está insistindo...
A porta se escancarou e outra mulher interrompeu a primeira.
- Petter. Não quero saber se você está em mais um momento reflexivo ou não, mas preciso que você ouça meus argumentos! Não é só vir e me dizer que está ruim!
Levantei do sofá como um zoombie com fome de matar alguém. Katherine Madison a redatora que eu mais tinha desafeto dentro da empresa. Era algo estranho, em toda conversa que tínhamos havia uma discussão. Ela era uma mulher linda, isso não nego. Olhos verdes que lembravam girassóis; cabelos castanho com seu coque geometricamente perfeito; tinha a mesma idade que eu; era rígida; impetuosa; sarcástica; e completamente difícil de lidar.
- Fale o que quiser, mas não se esqueça que fui redator por vários anos igual a você e pra mim aquele slogan não faz sentido! – disse religando os fusíveis do meu cérebro.
Ela começou a movimentar os lábios tentando justificar sua idéia, mas não adiantava, quando digo não é não.
- Eu quero que vocês sejam mais criativos que isto. A agência está perdendo a essência que tinha. Vocês estão acomodados com a situação por sermos a mais antiga no mercado. Mas se não nos atentarmos ao novo, logo outra grande agência nos engolirá.
No fim ela bateu a porta indignada e sumiu. Silêncio novamente. A chuva parou e lá se foi mais um dia. Meu apartamento era do outro lado da cidade, mas desde que comecei a trabalhar, tenho passado minhas noites aqui mesmo. Sou solteiro e solitário. Muitas pessoas me criticam esse meu estado civil, porém eu só fico realmente feliz estando completamente só. Acho que amava mais escrever do que amar outra pessoa.
Saí pelos corredores da agência que estava completamente escura e vazia. Tomei um copo d’água na copa e voltei. De repente ouvi um barulho vindo do final do corredor. Folhas sendo amassadas... Caminhei pé ante pé (eu parecia ser uma criança numa aventura). Segui um ponto de luz no fim do corredor.
- Katherine Madison? O que você está fazendo há essa hora aqui?
Ela pulou da cadeira.



Levei um susto ao ver Katherine Madison no meio da noite dentro da agência. Mas não a recriminei, pois fazia o mesmo.
            - Desculpe Petter, não sabia que você estaria ainda aqui... Estou usando meu tempo livre pra conseguir satisfazer a vossa vontade. – disse ironicamente.
            - Eu não mandei você fazer hora extra. Mandei você fazer um trabalho descente. – Muitos diziam que eu era rígido demais com as pessoas, mas apenas estava tentando manter a empresa de pé.
            Ela me fulminou com seu olhar.
            - Olhe, estou cansada de discutir com você. Eu entendo tudo que você está passando, mas você está exagerando já! Faça-me um favor, deixe me trabalhar em paz. – disse ela com cara de sono.
            Ela se levantou pegou no meu braço e me levou para fora da sala, batendo a porta na minha cara. Quis explodir, mas um suspiro de indignação saiu. Que mulher ousada. Ela me tratava como se não fosse o chefe dela.
            Voltei para o meu escritório, encostei a porta e desabei no meu sofá. Tive a impressão de a porta abrir e logo se fechar, mas eu estava com tanto sono que nem me importei.
           
            A semana passou rápida. Já era domingo, o dia do descanso. Mas era só chegar em casa que surgia Alexandre para estragar meu dia.
            Alexandre era muito, mas muito parecido comigo, e não somos gêmeos, ele era mais velho.
            “Você fica a semana toda fora dessa casa” dizia. “Deixe ficar com a casa”... “Venda!”. Isso estava me incomodando.
            - Se você quer morar aqui, venha, a mansão é grande o suficiente para todos nós. E pare de me encher com essa história de assumir a empresa. Estou lidando perfeitamente com tudo.
            Naquele momento lembrei-me de uma grande profissional e amiga minha. Uma vez ela disse: Tudo é mágico no ramo da publicidade, mas você vai ter que gostar muito e não desistir nas horas ruins (levo essa lição comigo sempre).
            - Não venha com essa historinha de vamos viver todos juntos como uma grande família, isso não vai acontecer. – disse Alexandre.
            - Acalme-se Alex, não grite assim. Vocês parecem dois primatas, e olha que nesse momento primatas discutindo seriam em mais espertos que vocês. – disse Jully, a esposa de meu irmão. Ela era linda. Seus olhos eram azuis e levemente puxados, às vezes lembrando uma oriental. Seu cabelo loiro era liso e ia até a altura dos cotovelos. Ela era a que sempre acalmava as brigas.
            Um fato curioso: Conheço Jully há anos... Para ser mais preciso, ela havia sido minha primeira namorada ainda no colegial. Depois que terminamos pacificamente ela se apaixonou pelo meu irmão e como éramos amigos não me importei com isso, até gostei, pois sabia que meu irmão estaria seguro perto dela.
            Dei as costas para meu irmão e tranquei-me no meu quarto. Joguei-me na cama, fechei meus olhos e levei um grande susto. A primeira imagem que me veio foi de Katherine Madison. Meu cérebro de alguma forma fotografou a imagem dela na minha mente. Estava séria, a imagem oscilava um pouco como se estivesse se apagando. Então forcei minha memória e a imagem se estabilizou. Então de alguma forma fui entrando naquela cena e me desliguei por completo.


Eu cheguei perto dela, olhei nos olhos dela e ela sorriu, – como podia ter uma imagem dela sorrindo na minha mente se a todo o momento a via de mau humor? – a abracei e a beijei. Depois disso não me lembro de mais nada. Quando acordei já era final de tarde. Como eu dormira tanto?
            O sonho quis se dissolver, mas tentava fixar a imagem dela sorrindo. Katherine e eu juntos? Impossível, mas havia sido divertido sonhar isso. E quando me dei conta de que meu fim de semana havia passado voando e que tudo iria recomeçar e que iria ficar longe do meu irmão, eu involuntariamente disse “Uffa”.